Eu, Faxineira de Ilusões
Andando pela cidade, encontro pessoas que fazem bem ao meu coração e algumas indagam quem é a Faxineira de Ilusões...
Para elas, então, os meus devaneios de hoje...
Sou Faxineira! Vivo no espaço etéreo dedicado às quimeras e tenho desejos de bem querer por meus afins, para o meu porto que me deu a dádiva de aqui nascer.
Limpo sonhos e aspiro recordações...
Tenho vontades, muitas vontades!
Varro todos os sentimentos, transformando-os em sublimes companheiros que dão sentido ao fragmentado coração e, incansáveis na espera, modificam-se em emoções, doces sonhos e carinhosos afetos, sempre lembrados que não podem sair da alma desarrumando a realidade.
Sou uma Varredora de sonhos! Arrasto os insuportáveis flagelos afetivos e os farelos de ilusões sob os tapetes, para não se juntarem à hipocrisia do mundo.
Desfaço as farpas da fantasia! Busco encantos, reviro os lamentos e espano os lampejos de dor, pois sou uma Faxineira de Ilusões. Tudo posso, porque o mundo anímico que me ampara, me dá esse poder.
Percorro os espaços que me doaram para acomodar o meu universo. Muitas vezes, alguns estão todos ocupados. Apenas posso desafiar harmonia, assentar recados, desinfetar traições...
Existo das poeiras espalhadas que me dão para limpar, sobrevivendo dos destroços anímicos cabíveis à minha vida de Faxineira.
Sobrevivo aos meus próprios suportes emocionais que ainda me dão forças para incinerar os lixos que deixaram à porta de minh’alma.
Elimino vontades e esfrego visões enferrujadas dos desejos de mulher –que- anseia pertencer aos seres alados que pulsam e entendem as estrelas. E me dão forças para, em tantos, muitos, momentos , galopar no meu alazão.
Quem sou?
Que essência me deram para existir?
Por que não varreram do meu coração as doídas divagações?
Só porque sou Faxineira de Qimeras a realidade não pode adormecer em mim?
Sou uma Varredora de sonhos!
Varrendo as minhas ilusões e escondendo-as no canto de minha agonia, procuro respostas para minhas inquietações maceradas.
Cai a tarde que me abriga em meu povoado.
Fim de tarde, início de noite mudando de humor. Começa a esfriar...
Chuva fina, desde a noite anterior , estimulando ao estar em casa, abrigar-se, pensar...
A alma atenta para a vida. O dia a dia percorrendo a sua trajetória e a solidão insistindo em permanecer, mas uma solidão calma, sem rumores nem lamentos, em seu estado natural e, Eu, a Faxineira a desafiando porque fiz a opção da solitude.
Chuviscos...
Sentindo a realidade do meu povoado, alimento os questionamentos em minha vida.
Lembro-me de Fernando Pessoa: “Não há na travessa achada o número da porta que me deram”, chegando em mim um sentimento de impotência total. É assim, quando o coração ancora no caos, no vazio, sem nenhuma dimensão, sem espaço nem tempo.
Como trazer de volta as minhas memórias de infante que me deram tantas alegrias? Como fazer o renascimento das belezas que enfeitavam as ruas as gentes, os quereres, os mimos afetivos que marcaram a minha vida, com minhas saudades, agora, remoendo e me fazendo gemer de dor?
Minhas, nossas memórias!
Será que teremos de volta todas elas? Que não só minhas, mas, de todos os irmãos-no-amor de cidadãos? Como refazê-las, buscá-las? Ou será que tiveram o seu tempo mínimo de sobrevivência para adormecer e não mais acordar? Quem poderá dizer ao meu coração a resposta? Quem? Não sei!...
Ah! meu povoado amado! Voltemos ao sentimento de gratidão por tanto que você recebeu, no passado!
Em que lugar esconderam as ações solidárias, o sentimento de respeito, deveres e direitos que lhe amparavam?
Seria heresia sonharmos? Ou somos uma comunidade que grita e mostra que ainda se quer lutar, acreditar, que é uma sucessão de fatos como o dia que tem a sua regularidade: nascimento,crescimento,plenitude e declínio de vida? Ou como a noite que simboliza o tempo das germinações, das gestações, das conspirações, traições e que desabrocharão em um novo dia, como manifestação de vida?
Sou uma Faxineira de Ilusões.
Meus devaneios, os gritos e meus monólogos traduzem os abraços, afagos, carinhos, e todo o sentimento que estão escondidos em meu ser e que os recebi há tantos anos! E ficaram e estão guardados sob a lápide de bronze do meu coração.
Eu, sou a Faxineira dos meus questionamentos e de tantas mulheres que aguardam por esperanças.
Sou a forma de dizer: Presente!
Formas de desnudar os bloqueios e descobrir os sentimentos.
Sou gritos!
É o meu desvendar a alma, o meu abrir os braços para os anseios , sonhos contidos e guardados, desejos amordaçados e fechá-los, numa vontade incontrolável de companhia de quem acredita em tudo que eu tenho fé e tem certezas , como eu, de pedir mudanças.
Vejo meu povoado tão triste, tão sujo, tão desamado...
Sou uma Varredora de sonhos, uma Faxineira de ilusões e arrasto para bem longe os meus sonhos de luz, enquanto chega o tempo de banir a escuridão que abraça( metaforicamente) o meu povoado...
Hoje, segunda, rebuliço, astral diferente, dia de muitas pessoas querendo recuperar a mensagem de antigos pensamentos.
Olho e observo.
Num certo espaço tudo é silêncio de verdades, atitudes encobertas pela ausência de pisadas e conversas da natural rotina semanal. Contudo os olhos observam. Tentam descobrir, perscrutar, inquirir o que será que está errado e o que poderá dar certo... , porque , Eu, Faxineira de Ilusões, permaneço andando, observando o clima no ar...Sou uma espécie de camaleão...Tenho capacidade de transformar o meu eu diante de tanta sujeira que não posso limpar.
Seres indiferentes que passam por meus olhares não conseguem enxergar a alma e os sentimentos dos mais velhos, se sofrem, querem, anseiam alguma coisa, se amam ou querem ser amados. O que importam são os sonhos de castelos no ar, adolescência em plena ebulição, sexualidade sendo despertada, papos amigos, lazer, diversão e a deturpação de valores que nos chocam e nos entristecem.
Aqui, tarde é diferente, com o frio sobrevoando os corpos e pensamentos e Eu, Faxineira de ilusões, sozinha, questiono o descaso que, sorrateiro, caminha por meu povoado , pelas pessoas, pela vida de muitos e procuro a defesa de cada afeto órfão, de cada lacuna precisando ser preenchida.
Sou Faxineira de Ilusões!
O que será que pensam outras vidas?
Quem responderá ao meu coração?
Quem acomodará todas as cinzas que varro dos cantos vitais e tento jogá-las fora?
Que arestas poderão ser quebradas para que as ilusões fiquem com luz , transformando-se em gritos reais?
Sou Faxineira de Ilusões!
A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e cronista no sul da Bahia.