Eu, Faxineira de Ilusões

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

Andando pela cidade, encontro pessoas que fazem bem ao meu coração e algumas indagam quem é a Faxineira de Ilusões...

Para elas, então, os meus devaneios de hoje...

 

Sou Faxineira! Vivo no espaço etéreo dedicado às quimeras e tenho desejos de bem querer por meus afins, para o meu porto que me deu a dádiva de aqui nascer.

Limpo sonhos e aspiro recordações...

Tenho vontades, muitas vontades!

Varro todos os sentimentos, transformando-os em sublimes companheiros que dão sentido ao fragmentado coração e, incansáveis na espera, modificam-se em emoções, doces sonhos e carinhosos afetos, sempre lembrados que não podem sair da alma desarrumando a realidade.

Sou uma Varredora de sonhos!  Arrasto os insuportáveis flagelos afetivos e os   farelos de ilusões sob os tapetes, para não se juntarem à hipocrisia do mundo.

Desfaço as farpas da fantasia! Busco encantos, reviro os lamentos e espano os lampejos de dor, pois sou uma Faxineira de Ilusões. Tudo posso, porque o mundo anímico que me ampara, me dá esse poder.

Percorro os espaços que me doaram para acomodar o meu universo. Muitas vezes, alguns estão todos ocupados. Apenas posso desafiar  harmonia,  assentar recados, desinfetar traições...

Existo das poeiras espalhadas que me dão para limpar, sobrevivendo dos destroços anímicos cabíveis à minha vida de Faxineira.

Sobrevivo aos meus próprios suportes emocionais que ainda me dão forças para incinerar os lixos que deixaram à porta de minh’alma.

Elimino vontades e esfrego visões enferrujadas dos desejos de mulher –que- anseia pertencer aos seres alados que pulsam e entendem as estrelas. E me dão forças para, em tantos, muitos, momentos , galopar no meu alazão.

Quem  sou?

Que essência  me deram para existir?

Por que não varreram do meu coração as doídas divagações?

Só porque sou  Faxineira de  Qimeras a realidade não pode adormecer em mim?

Sou uma Varredora de sonhos! 

Varrendo as minhas ilusões e escondendo-as no canto de minha agonia, procuro respostas para minhas inquietações maceradas.

Cai a tarde que me abriga em meu povoado.

Fim de tarde, início de noite mudando de humor. Começa a esfriar...

Chuva fina, desde a noite anterior , estimulando ao estar em casa, abrigar-se, pensar...

A alma atenta para a vida. O dia a dia percorrendo a sua trajetória e a solidão insistindo em permanecer, mas uma solidão calma, sem rumores nem lamentos, em seu estado natural e, Eu, a Faxineira a desafiando porque fiz a opção da solitude.

Chuviscos...

Sentindo a realidade do meu povoado, alimento os questionamentos em minha vida.

Lembro-me de Fernando Pessoa: “Não há na travessa achada o número da porta que me deram”, chegando em mim um sentimento de impotência total. É assim,  quando o coração ancora no caos, no vazio, sem nenhuma dimensão, sem espaço nem tempo.

Como trazer de volta as minhas memórias de infante que me deram tantas alegrias? Como fazer o renascimento das belezas que enfeitavam as ruas as gentes, os quereres, os mimos afetivos que marcaram a minha vida, com minhas saudades, agora, remoendo e me fazendo gemer de dor?

Minhas, nossas memórias!

Será que teremos de volta todas elas? Que não só minhas, mas,  de todos os irmãos-no-amor de cidadãos? Como refazê-las, buscá-las? Ou será que tiveram o seu tempo mínimo de sobrevivência para adormecer e não mais acordar? Quem poderá dizer ao meu coração a resposta? Quem? Não sei!...

Ah! meu povoado amado! Voltemos ao sentimento de gratidão por tanto que você recebeu, no passado!

Em que lugar esconderam as ações solidárias, o sentimento de respeito, deveres e direitos que lhe amparavam?

Seria heresia sonharmos? Ou somos uma comunidade que grita e mostra que ainda se quer lutar, acreditar, que é uma sucessão de fatos como o dia que tem a sua regularidade: nascimento,crescimento,plenitude e declínio de vida? Ou como a noite que simboliza o tempo das germinações, das gestações, das conspirações, traições e que desabrocharão em um novo dia, como manifestação de vida?

Sou uma Faxineira de Ilusões.

Meus devaneios, os gritos e meus monólogos traduzem os abraços, afagos, carinhos, e todo o sentimento que estão escondidos em meu ser e que os recebi há tantos anos! E ficaram e estão guardados sob a lápide de bronze do meu coração.

Eu, sou a Faxineira dos meus questionamentos e de tantas mulheres que aguardam por esperanças.

Sou a forma de dizer: Presente!

Formas de desnudar os bloqueios e descobrir os sentimentos.

Sou gritos!

É o meu desvendar a alma, o meu abrir os braços para os anseios , sonhos contidos e guardados, desejos amordaçados e fechá-los, numa vontade incontrolável de companhia de quem acredita em tudo que eu tenho fé e tem certezas , como eu, de pedir mudanças.

Vejo meu povoado tão triste, tão sujo, tão desamado...

Sou uma Varredora de sonhos, uma Faxineira de ilusões e arrasto para bem longe os meus sonhos de luz, enquanto chega o tempo de banir a escuridão que abraça( metaforicamente) o meu povoado...

Hoje, segunda, rebuliço, astral diferente, dia de muitas pessoas querendo recuperar a mensagem de antigos pensamentos.

Olho e observo.

Num certo espaço tudo é silêncio de verdades, atitudes encobertas pela ausência  de pisadas e conversas da natural rotina semanal. Contudo os olhos observam. Tentam descobrir,  perscrutar, inquirir o que será que está errado e o que poderá dar certo... , porque , Eu, Faxineira de Ilusões, permaneço andando, observando  o clima  no ar...Sou uma espécie de camaleão...Tenho capacidade de transformar o meu eu diante de  tanta sujeira que não posso limpar.

Seres indiferentes que passam por meus olhares não conseguem enxergar a alma e os sentimentos dos mais velhos, se sofrem, querem, anseiam alguma coisa, se amam ou querem ser amados. O que importam são os sonhos de castelos no ar, adolescência em plena ebulição, sexualidade sendo despertada, papos amigos, lazer, diversão e a deturpação de valores que nos chocam e nos entristecem.

Aqui, tarde é diferente, com  o frio sobrevoando os corpos e pensamentos e Eu, Faxineira de ilusões, sozinha, questiono o descaso que, sorrateiro, caminha por meu povoado , pelas pessoas, pela vida de muitos e procuro a defesa de cada afeto órfão, de cada lacuna precisando ser preenchida.

Sou Faxineira de Ilusões!

O que será que pensam outras vidas?

Quem responderá ao meu coração?

Quem acomodará todas as cinzas que varro dos cantos vitais e tento jogá-las fora?

Que arestas poderão ser quebradas para que as ilusões fiquem com luz , transformando-se em gritos reais?

Sou Faxineira de Ilusões!

A autora Ana Virgínia Santiago é jornalista, poeta e cronista no sul da Bahia.